sábado, 28 de junho de 2008

Seminário aponta as múltiplas causas do que adoecem e morrem as mulheres brasileiras

Do que adoecem e morrem as mulheres brasileiras e quais os desafios da saúde integral, direitos sexuais e reprodutivos foi a temática estabelecida para a manhã do segundo dia ( quinta-feira, 26/06) do Seminário Implementando os marcos de saúde integral das mulheres dos direitos sexuais e reprodutivos,que teve na coordenação de mesa, a farmacêutica Jussara Cony, Superintendente do Grupo Hospitalar Conceição - GHC. Em sua fala, Jussara destacou a importância do evento pelo desafio em discutir a perspectiva de gênero aliada a uma agenda pública em defesa da saúde da mulher.




A médica Mazé Araújo (na foto), do Imais/Bahia, afirmou que a morte de mulheres está associada aos problemas relacionados à gravidez, ao parto e ao puerpério. Fatores que estão entre as dez principais causas de morte feminina. Informações baseadas, segundo ela, em dados do Ministério da Saúde. As doenças cardiovasculares, acrescidas da aids, câncer de mama e a neoplasia maligna do colo do útero são outras causas de relevante importância. A médica chama atenção para o crescente aumento do câncer no pulmão entre a população feminina, fruto do alto consumo do cigarro. Mazé Araújo, a exemplo do que disse na noite de abertura do Seminário (25/06) voltou a salientar que o transtorno mental exige atenção mais específica, uma vez que é causa dos inúmeros casos de suicídio de mulheres e afirmou que 72% das brasileiras são consumidoras de medicamentos de substâncias psicoativas. O transtorno mental é, de acordo com a médica, uma causa importante na mortalidade de mulheres em idade fértil, indicando, portanto, a necessidade de estudos e programas direcionados.




Quem também participou do painel que tratou das doenças e mortes das mulheres foi Regina Viola, Psicóloga, Coordenadora da Área Técnica da Saúde da Mulher, do Ministério da Saúde. Na foto, ela está ao centro. Em sua fala, Regina reforçou os dados apresentados por Mazé Araújo, enfatizando que é preciso “deitar um olhar mais específico para as doenças que afetam as mulheres negras, para a saúde mental e de gênero”. Destacou, ainda, que são constantes as denúncias sobre profissionais da área da saúde que se negam a atender mulheres lésbicas. Reconheceu dificuldades na implementação da assistência integral à saúde das mulheres, mas salientou avanços no setor.



Uma outra palestrante foi Marisa Fernandes, do Coletivo de Mulheres Lásbicas, de São Paulo, que trouxe uma série de elementos para demonstrar que a orientação sexual das mulheres influi e muito em sua saúde. Marisa ressaltou que pela primeira vez, em encontros da Rede Feminista de Saúde, o lesbianismo ganhou espaço na programação. "Sem dúvida, um avanço", acentuou. Sua fala foi centrada na vulnerabilidade das lésbicas e na ausência de políticas públicas e programas sociais específicos.






Combater o racismo institucional e ampliar a participação qualificada de pessoas nos Comitês de Combate a Mortalidade Materna foram as principais recomendações da enfermeira Alaerte Leandro, da Rede Mulheres Negras do Paraná, quando de sua rápida fala sobre Mortalidade Materna no país. Especialista no assunto, ela afirma que a morte materna é um dos mais sensíveis indicadores das condições de vida de uma população e reflete, principalmente, a desarticulação, desorganização e a qualidade inadequada da assistência prestada à mulher .durante o ciclo gravídico-puerperal.


A médica Lena Peres, do DAPE/Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal do Ministério da Saúde, ressaltou que o Ministério tem pela frente um grande desafio que é a capacitação dos profissionais da rede de saúde. Ela reconheceu que a qualidade de atendimento é deficiente, mas enfatizou a importância do Sistema Único de Saúde – SUS para a população brasileira. Relativo aos efeitos das ações do Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna, criado em 2004, Lena julga ser preciso mais cinco anos “para termos resultados mais concretos”. Assim como Alerte Leandro, a médica ressaltou a importância de pessoas qualificadas atuando nos comitês de estudos e combate à mortalidade materna e manifestou grande preocupação com a mortalidade materna das mulheres indígenas e com os óbitos fetais.


Eliana Rocha, conselheira-colaboradora da Comissão de Direitos Humanos da OAB-Rio de Janeiro e da Bemfam/IPPF, também participou da mesa de diálogos que discutiu sobre mortalidade materna. Ela divulgou uma carta de recomendações, resultado do workshop Saúde da Mulher, Mortalidade Materna e Redução de Danos: Diagnósticos & Perspectivas, que será entregue no próximo dia 3 de julho, em Brasília, aos ministros da Saúde, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos. A carta é fruto da ação de um grupo de trabalho, da qual a Rede Feminista de Saúde fez parte, e apresenta propostas de prioridades na área de atenção integral à saúde da mulher.


A ativista feminista Gigi Bendler, oito anos atuando no Comitê de Estudos da Mortalidade Materna de Pernambuco, representou a médica convidada Sandra Valongueiro e pautou sua fala na crítica às políticas públicas de saúde, afirmando que “as mulheres morrem no país devido à desorganização administrativa do setor de saúde”.












Carmem Medeiros, presidente da Amaterna, num depoimento emocionado, afirmou que as mulheres morrem de morte materna devido a imperícia e negligência dos agentes de saúde. Carmem é mãe de Marina que faleceu, aos 25 anos, logo após o parto de sua filha Manuela, em 3 de março de 2006. Sobre sua organização, ela revelou que a Amaterna nasceu de uma iniciativa da Rede Feminista de Saúde e é uma estratégia de ação que aglutina e dá voz a familiares e amigos de vítimas de morte materna. Entre os objetivos está o de apoiar moral e juridicamente as famílias, lutar para responsabilizar o estado brasileiro por essas mortes e resgatar a dignidade e a memória das mulheres vítimas de problemas durante a gravidez que levam à morte materna.



O Caso Alyne, primeiro caso de mortalidade materna no país que será julgado pelo Comitê das Nações Unidas pela Eliminação da Discriminação contra a Mulher – Cedaw foi apresento à plenária do Seminário. Alyne da Silva Pimentel, negra, tinha 28 anos e estava no sexto mês de gravidez quando morreu. A advogada Carmem Campos, consultora do Centro pelos Direitos Reprodutivos, uma das organizações que levou o assunto ao Cedaw, foi a responsável pela apresentação do caso. O fato é emblemático e cuja decisão do Comitê deverá repercutir em todos os países membros da ONU. O Cedaw já notificou o governo brasileiro que tem até agosto para se pronunciar.


Aborto legal e aborto inseguro – a luta pela legalização do aborto no Brasil foi o tema que deu abertura à fala de Dulce Xavier, socióloga e integrante das Jornadas Brasileiras pelo Aborto Legal e Seguro/Regional São Paulo. Ela fez um balanço da atuação das Jornadas, deu ênfase à Comissão Tripartite e propôs a realização de uma série de ações mais propositivas pela descriminalização do aborto no Brasil.







Seguindo esta temática, Liége Rocha, da União Brasileira de Mulheres/SP, lembrou da ativa participação do movimento feminista brasileiro, em décadas anteriores, nas questões específicas da saúde e direitos das mulheres e que resultou em positivas conquistas. Para superar as dificuldades, face as pressões dos setores conservadores, da luta pela descriminalização do aborto, ela recomendou que o movimento de mulheres observe a pulverização interna, se unifique e trace de imediato ações estratégicas e de efeito para ganhar às ruas.


Ao participar da mesa que debateu o aborto legal, aborto inseguro, Telia Negrão, Secretária Executiva da Rede, apresentou um retrospecto da conjuntura nacional, destacando aspectos que impediram os avanços da luta pela despenalização do aborto. Defendeu que o movimento de mulheres e feminista precisa estar mais conectado, mais próximo, mais solidário para definir e construir estratégias capazes de enfrentar a ação dos segmentos conservadores.




Maria Elvira, da Área de Advocacy, do IPAS, apresentou a campanha publicitária Vai Pensando Aí, da agência paulista Santa Clara, que provoca o usuário da web (Youtube) com a temática da descriminalização do aborto. A campanha foi lançada oficialmente em 12 de março, em São Paulo/SP, com o título Criminalizar o aborto resolve? Vai pensando aí... e tem o apoio da Rede Feminista que divulgou a peça no site, com boa repercussão.



Violência de gênero e saúde foi a temática do último painel do Seminário. A psicóloga e Secretária-Adjunta da Rede, Maria Luísa Pereira de Oliveira, fez o relato de uma pesquisa realizada junto ao programa SOS Racismo de Maria Mulher – Organização de Mulheres Negras, entidade filiada à RFS. Este estudo focou que a violência racial é tão grave e causa sérios danos à saúde mental das mulheres negras que precisa ser reconhecida e identificada com uma forma de violência de gênero. Maria Luisa acentuou que o movimento feminista precisa se ater a este problema e avaliar cuidadosamente o impacto dessa violência junto à população feminina negra.



Rúbia Abs da Cruz, advogada da Themis e Conselheira Fiscal da RFS, trouxe o relato da banalização e naturalização da violência de gênero. Pesquisa realizada pela Organização mostrou que as mulheres “ não têm voz”, ou seja não conseguem relatar qual o tipo de violência sofrida. Por outro lado, salientou Rúbia, as ações do Judiciário, mesmo com a Lei Maria da Penha, não vem contribuindo para que as mulheres agredidas tenham um outro tipo de comportamento, ao contrário amplia o silêncio.


Marlene Libardoni, economista e coordenadora da Agende, Brasília, e da Campanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra as Mulheres, identifica pequenos avanços na denúncia das mulheres vítimas de violência, por outro lado vê dificuldades na ação dos agentes policiais e agentes dos serviços públicos. Quanto à campanha, ela divulga que está crescendo e ganhando adesão de vários Estados e Municípios, mas que é preciso fazer mais para que a Lei Maria da Penha seja de fato implementada.





Santinha do Espírito Santo, médica, do Conselho Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, filiada da RFS, e integrante da equipe do Instituto Nacional do Câncer –INCA – manifestou entusiasmo ao revelar sua satisfação em ver pela primeira vez “na história da rede” uma apresentação sobre o Câncer de Mama e Câncer Cérvico Uterino. “Estava na hora, porque o câncer está matando muitas de nossas mulheres e essa discussão tem de estar na base”, afirmou.







A médica do INCA, Ana Ramalho, teve sua apresentação marcada pelo relógio, mesmo assim traçou rapidamente um panorama sobre as incidências do câncer de mama e do câncer cérvico uterino no país. Segundo ela, o Brasil está numa situação razoável em relação aos outros países da América latina, quando se refere a estas duas doenças. As doenças cardiovasculares afetam sensivelmente as mulheres, mas o câncer de mama é a segunda causa de morte, enquanto que câncer cérvico uterino é a quarta causa de mortes de mulheres. Nas estatísticas apresentadas por Ana Ramalho, a Região Sul apresenta uma alta incidência de câncer de mama.

Patrícia Leitão, psicóloga da Organização Gestos Soropositividades, de Pernambuco, teceu considerações sobre a feminização da Aids, explicando que a disseminação da doença entre as mulheres cresce no país. No Brasil, segundo ela, na década de 80 havia uma mulher infectada para cada 26, 5 homens, atualmente há uma mulher doente para cada 1, 5 homem. Ela revelou que entre os fatores que tornam as mulheres mais vulneráveis à epidemia de Aids estão o menor poder de negociação das mulheres quanto ao uso de preservativos e a violência doméstica e sexual contra mulheres, adolescentes e meninas.

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